terça-feira, maio 30, 2006

GABRIEL FERREIRA: DUAS PALAVRAS

Por Silvério Duque


“Comme c’est beav ce qu’nan peut voir comme ça à travers le sable à travers le verre…”
Jacques Prévert


Gabriel Ferreira é um artista excepcional! Porem, dizer isto a respeito de qualquer outro é muito fácil, numa época em que temos artistas aos quilos por metro quadrado perambulando por nossas ruas e galerias, enchendo-nos os olhos com suas abundantes colorações performáticas e, de igual proporção, vazias e efêmeras.
No caso de Gabriel a coisa muda de figura. Este tanquienhense que ainda não chegou aos 30 anos é, para mim, uma prova viva de algo que venho dizendo já há algum tempo: a arte é, como a biologia, a física e até mesmo a linguagem, um objeto passivo da analise científica, do contrário, por que alguém como Aristóteles se incomodaria em escrever uma Poética? A arte possui toda uma estrutura digna ao olhar científico por está ligada diretamente a uma série de premissas, as quais, por sua vez, lhe dão valor: a história, a cultura, a sociedade, os sentimentos e conflitos humanos são essências da contemplação artística e da própria arte; se não, que valor teria a chamada crítica literária, por exemplo?
Gabriel Ferreira é, por exemplo, um artista ligado às tradições, pois, um artista, precisa de algo para se apoiar, e isto está muito claro desde Da Vinci a Portinari, por que com ele haveria de ser diferente? O folclore, a vida pacata do interior, a cultura popular de um modo geral estão para a obra de Gabriel da mesma forma que as cores e as impressões luminosas estão para a obra de um Monet ou um Sisley. Mas cores também não são seu fraco, pois Gabriel equilibra cores e contorno com a simplicidade primordial do desenho, aliado ao acabamento técnico e expressivo das tintas sobre as telas, que conseguem juntar o abstracionismo e figurativo em uma tênue barreira aliada aos malabarismo imagéticos do artista.
A capoeira, por exemplo, é o tema principal deste opúsculo e dos desenhos para ele produzidos. Observe o leitor, a simplicidade das formas e das figuras dando espaço para os movimentos bem definidos e bem acabados da arte da capoeira, como estas pseudopessoas abrem mão daquilo que são (ou deveriam ser) para dar espaço àquilo que fazem. Todas as figuras encontram-se equilibradas sobre uma espécie de Nirvana de cores gradientes, indicando que o tempo e o espaço se concentram em um momento único e universal, é um tipo de arrebatamento equivalente, aqui, àquela sensação de arrebatamento que só a arte pode nos oferecer, como mos lembrou certa feita Schopenhauer, e, aqui, na arte de Gabriel e também na arte representada em seus quadros, no caso em questão a arte do capaoeirista, podemos, ao mesmo tempo – e através deste intertexto mágico – experimentar.
Suas telas também não se limitam em serem uma acabada fotografia d’um momento contemplativo, antes, o movimento com que se deixam olhar e irradiam de si, nos esclarece ainda mais a idéia de que um quadro ainda precisa nos dizer, contar-nos algo, ou melhor, nos instigar a procurar os segredos que em nós habitam o quadro. Gabriel também é um experimentalogista, sempre procurando novos temas, novas técnicas, novas maneiras de desenvolver sua produção sem ser um mero copiador de seu próprio trabalho nem o levando a uma categoria de vanguardismo barato e sem sentido. Os capoeiristas em suas telas mão se prendem num tempo ou espaço determinados, eles são dotados de força, equilíbrio, suavidade, vida... Ao invés de estarem congelados no tempo, eles meditam o tempo no movimento preciso da arte a qual dominam.
Por estas e muito mais coisas que o espaço e os limites desta conversa não me deixam detalhar, Gabriel é um grande artista, porque um grande artista deve estar sempre vivo e atento ao mundo que o cerca e deve capturá-lo e o dissecar da maneira mais minuciosa o possível, para que a posteridade saiba que ali se encontrava um transformador de mundos e não um falsário.

* Texto de autoria de Silvério Duque extraído do livro de Bel Pires, a saber: OLIVEIRA, Josivaldo Pires. No tempo dos valentes: os capoeiras na Cidade da Bahia. Salvador: Quarteto, 2005, p. 143-144.

terça-feira, maio 23, 2006

AS MENINAS DA GARE

"AS MENINAS DA GARE"
AST (40x50)cm. 2004

Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis
Com cabelos mui pretos pelas espáduas E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas Que de nós as muito bem olharmos Não tínhamos nenhuma vergonha.

Oswald de Andrade

TAMBORES

TAMBORES
SÉRIE CAPOEIRAGEM
AST (120x80)cm
2005

segunda-feira, maio 22, 2006

BAILE ALVORADA

BAILE ALVORADA
MISTA/EUCATEX (60x80)cm
2004

ao Gabriel Ferreira, pintando.

Forje, no Sol de meu Sangue,
o Trono do meu clarão.
ARIANO SUASSUNA



Cada passo que dou edifica de vida
minha loucura imensa: elaboro estradas,
os lugares por onde passo, cais desertos
onde me vejo imerso... e sigo sozinho.

( É por isso, talvez, que eu remonte tantas
memórias onde pus a minha vida toda:
p’ra ter todos os dias alguma partida
esquecida, lembranças demoradas... só! )

Não sei se num romper antigo destas novas
saudades fiz de mim as emoções das telas
de que me cubro – fosse eu estes sentidos,

estas vontades que me pintam e me rompem,
elaboraria ausências tão inexplicáveis
quanto a falta de mim que invento ( e me empareda ).

GENTE DO CHÔRO

"GENTE DO CHÔRO"
AST (70x70)cm 2004

sexta-feira, maio 19, 2006

O inter-texto poético: intervenções, fragmentos e vivências <<<<<<<

ou
UMA LEITURA SOBRE LEITURAS


Por Nívia Maria Vasconcellos

a cidade está no homem quase como a árvore voa no pássaro que a deixa
Ferreira Gullar


Dizem que tudo o que criamos não passa de uma mera repetição de algo que já foi dito, escrito, realizado algures... Sinto que, em parte, essa assertiva é verdadeira, mas a sua veracidade não tira a beleza, a riqueza – poderia dizer, até mesmo, a originalidade – do que está sendo feito, ou melhor, refeito. Baladas e Outros Aportes de Viagem corrobora isso por ser uma obra dupla que conduz em si uma intertextualidade com outros poetas e suas obras e com as próprias experiências vividas por seu autor.
Em, os “experimentos” de Silvério Duque promovem um passeio por bastantes temas e formas. Prenhe de epígrafes e dedicatórias, este livro faz alusão de maneira expressa às intervenções deliberadas que sofreu. Por vezes, essas menções formam leituras sobre leituras infinitamente. Em forma de terça-rima, estrutura muito bem utilizada por Dante Aligiere, na balada III (Balada para Betriz, que apresenta versos alexandrinos), por exemplo, Duque remete à Mira Coeli (referência de Jorge de Lima a Beatriz de Dante) e, concomitantemente, a própria Beatriz de Dante pela qual a obra de Jorge fora influenciada. Devido a esse constante relacionamento poético-temático com obras que, por sua vez, aludem a outras obras, podemos dizer que Baladas é um livro para iniciados, uma vez que a sua perfeita compreensão será lograda pelos que perceberem e souberem realizar tais analogias, o que os fará notar o diálogo que este excelente livro nos permite cumprir com personagens mitológicas, lendárias e poéticas (Helena, Beatriz, Enone, Medusa, Adriana, Inês) e com diversos autores da literatura feirense, brasileira e universal (Godofredo Filho, Antonio Brasileiro, Hilda Hilst, Bruno Tolentino, Alberto da Cunha Melo entre outros) quer seja pelo título, quer seja pelas epígrafes ou pelo próprio conteúdo das poesias. Não obstante, mesmo aqueles que não disporem de uma leitura prévia de tais poetas para tanto, poderão, por intermédio de Silvério, entrar em contato indireto com eles e, quiçá, despertarem a curiosidade em si de pesquisá-los e lê-los, o que faz de Baladas um livro que até mesmo incentiva a leitura de outros livros.
Em Outros Aportes de Viagem, por sua vez, o artista se encontra – ou busca esse encontro – em seu mundo (em seus mundos). O poeta é um andarilho que visita diversos lugares e pessoas que são incorporados a sua vida e que vão compondo a sua memória, o seu passado. Dessa maneira, a intertextualidade predominante se exprime por meio das recordações do que foi vivido e sentido. É um inter-texto que se manifesta entre as experiências do poeta e as poesias que elas inspiraram, ou seja, uma inter-relação entre o criador e a leitura (peço licença a Paulo Freire) que ele realiza do que circunda. O lirismo – que é supremo no livro anterior – nessa obra vem acompanhado por uma narratividade dramática que o faz mesclar os três gêneros literários e romper com quaisquer tentativas de sistematização ou classificação de suas composições ( o que fundiria as habilidades mentais do afamado estagirita). O gênero lírico se manifesta na medida em que Silvério canta cidades (Ipirá, Candeal, Ichu, Tanquinho, Conceição do Jacuípe, Aracy, Feira de Santana) para, por intermédio delas, exprimir suas emoções e sentimentos individuais (sinto Ipirá ao vê-la e ao pisar-lhe/ o chão como peregrino que sou de mim mesmo) carregados de subjetividade. Seu drama – o próprio Duque subintitula este livro como “experimentos dramáticos” – é afiançado pela ação constante que o autor – também uma das personagens de suas histórias – põe-nos em contato, é como se a cada poema o poeta realizasse suas falas, interpretando-nos um intenso solilóquio (Na casa velha de minha infância/as lembranças projetam dores/sobre este olhar perdido). Já o seu tom narrativo é garantido por ser ele um poeta em trânsito, um poeta-viagem que transita pelos lados do asfalto frio da estrada, a ver aquela caatinga enveredando-se a teimar com a Morte, a Serra, a casa velha, a cidade toda feita de saudades e tudo mais que a janela do ônibus e seus próprios passos permitiram-lhe contar por fazê-lo alcançar e sentir.
Absorvidos por essa viagem por espaços e por impressões, somos compelidos a reconhecer a erudição e elegância de Silvério Duque e a admitir o desafio que seus “experimentos” fazem a seus leitores. Esta é característica elementar pertencente a produções artísticas que pretendem ser notáveis: o desafio. As obras literárias não devem existir para agradar aqueles que as lêem, senão para instigar-lhes a sensibilidade e a inteligência. Como o próprio Silvério escrevera outrora a poesia deve dar um soco na cara do leitor. Sendo assim, purificados e de “olhos roxos”, nós – mais sublimes por termos entrado em contato com suas composições – encontramo-nos mais felizes e, inspirados pela vida, assim como nosso poeta, sorrindo para a morte e seus segredos.


Nívia Maria Vasconcellos nasceu em Feira de Santana, Ba, em 1980. Em 2002, publicou o livro de poesias Invisibilidade pelo MAC (Museu de Arte Contemporânea/FSA). Formou-se em Letras Vernáculas na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) em 2004. Atualmente cursa Especialização em Literatura e Diversidade Cultural na UEFS e, além de poetisa, é contista, ensaísta, professora de Literatura e participa do grupo de declamação OsBocasDo Inferno, com o qual já se apresentou em vários estados do Brasil.

quarta-feira, maio 17, 2006

FLÔR DE IRARÁ

FLÔR DE IRARÁ
ACRÍLICO E CARVÃO/TELA
2004

"Quer ser universal, cante a tua aldeia!" Leon Tolstoi
Roberto Martins é um desses caras inseridos realmente no contexto social de uma comunidade. Filho da terra do Ton Zé, Ró é umas das pessoas que mais valoriza a produção artística da região, inclusive fui convidado por ele para expôr em Irará numa das edições do Vinhos & Versos em 2004. Na ocasião conheci Zé Nogueira, um artista plástico de talento inigualável e produtor de um licor saboroso. Além do mais, saí de lá com tamanha inspiração cerâmica que pintei a tela acima, uma homenagem às ceramistas da terra do bom Ró de Zé do Rádio.

segunda-feira, maio 15, 2006

CHORINHO SOBRE TELA


CHORINHO SOBRE TELA
AST (80x90)cm
2005