terça-feira, agosto 29, 2006

BUMBA-BOI


Esta é uma homenagem ao bumba-meu-boi da localidade Bebedouro de Tanquinho-BA, que, na minha infância, desenhou uma das alegorias que mais me encheu os olhos.

Salve o Bumba-Meu-Boi do Bebedouro, vida longa aos seus mantedores.

Vem aí o Tríduo Cultural de Tanquinho 2006!!!

BUMBA-BOI DO BEBEDOURO DE TANQUINHO. ACRÍLICO SOBRE TELA. (90X90)cm. AGOSTO DE 2006. GABRIEL FERREIRA
PARTICIPOU DA EXPOSIÇÃO COLETIVA NO CUCA NO MÊS DO FOLCLORE.

sexta-feira, agosto 18, 2006

BALADA PARA HILDA


a Nívia Maria Vasconcellos, minha irmã.



( É semelhante à brisa que só nos deixa o frio
deste quase não pressenti-la,
o nosso olhar que se perdeu no tempo,
sem nada haver além de sombra e sobras...
porque nos era só desejo e vazio
os dias de solidão
e inquietude,
os quais só nos deixaram os olhos
e aquilo que prometiam.

( Mas
do amor antigo que vivemos
somos apenas a lembrança viva do inevitável destino
e a amargura inconsolável de quem,
por toda a vida,
esperou pelas coisas que se mostram sempre as mesmas,
como quem contempla a última hora,
ante a dor intensa de quem só obteve,
da Eternidade,
o silêncio, o espanto
e a imóvel presença. )


Aracy – Feira de Santana, maio/junho de 2004.


Do livro Baladas e outros aportes de viagem de Silvério Duque.
Ilutração de Gabriel Ferreira. Acrílico e carvão sobre papelão paraná. (80x99) cm. 2006

BALADA PARA CECÍLIA


à Danielle Pinheiro


Convém-nos que esta noite seja clara
ou simplesmente a última, sabendo
que todo o mundo dorme e as nossas almas
são uma chaga a mais que o mundo abriu...

Convém-nos que esta noite seja pura
como as pedras e os ventos, tão contrários,
mas tão repletos desta mesma essência,
e tão suaves como estes silêncios...

E enfim, toda esta noite seja breve
como o instante em que, mortos, renascemos
para todas as coisas que buscávamos:

as nossas mãos sem rumo e sem mistérios...
nossos espelhos sem nenhuma face...
nossa boca calada com um beijo.


Candeias, na manhã de São João de 2004.
Do livro Baladas e outros aportes de viagem de Silvério Duque.
Ilutração de Gabriel Ferreira. Acrílico e carvão sobre papelão paraná. (80x99) cm. 2006

BALADA PARA ENONE



a Godofredo Filho, em seu 1º centenário.

Quero fugir e não posso.

Quero correr e me sinto
colado no chão da esquina.

Se a noite ao menos pudesse
fazer com que me esquecesse
da fria luz que, no quarto,
sobre o teu corpo morria...
GODOFREDO FILHO




O Amor com que nasci trouxe-me todo encanto
com o qual adormeci para esta triste sorte...
E Eu despertei tão calmo e a desejar a morte,
mas eis-me aqui, na fria jaula deste pranto.

Daí, Eu me inclinei neste meu chão: tão frio,
tão só, tão nulo – sombra de meu sonho amargo –
a aceitar a estranha vontade deste encargo
de estar aqui e, por vontade, ser vazio.

E era teu rosto, sim, que, em meio à sombra e o vento
– pois, por amor, sou deste chão e deste momento –,
o amor eternizou na angústia do teu beijo.

Mas este amor me faz ficar aqui, tristonho,
seguindo esta saudade que me corta o sonho

e Eu permaneço ainda à porta do teu desejo.


Do livro Baladas e outros aportes de viagem de Silvério Duque.
Ilutração de Gabriel Ferreira. Acrílico e carvão sobre papelão paraná. (80x99) cm. 2006

APORTES DA SERRA DE TANQUINHO (fragmento)


ao Senhor Abílio Santa Fé Aquino; aos seus filhos, aos seus netos...

à memória do Monsenhor José Trabuco


... a subida da serra é um plágio da vida...
EURÍCO ALVES BOAVENTURA




Mas o velho Carango
não nos transmitia isso. Ele, que talvez não
dormira nunca, era agora
parte da estrada que nos parecia como
uma cobra a cortar de terra aquela caatinga
tão efemeramente viva e
cujo rastro ficava por conta das rodas
movidas pelo Burro, que, a passadas lentas,
imitava a teimosa vivência daquele verde Agreste, acentuando-se
a nossa volta e em nossas recordações.
Aquele homem, tão rude
e místico
como os lajedos
trazia uma simplicidade meiga, e acentuadamente
calma, naquele rosto que o tempo feriu
com a velhice e com a tristeza;
era a face e quem se envolveu de amor; com
a mesma crueldade com a qual o amor
envolve tudo.
Entendemos agora sua doce maldade ao permitir
nossa subida àquela carroça, para junto a ele
somarmos com as vidas
( tão diferentes, cada uma em seu extremo )
as migalhas de tempo que sumiam
como a paisagem
e cuja existência se resume a lembrança
das crianças que fomos
e trazemos à tona de nossa vida de homens adultos. Era
para não nos perdermos, não nos esquecermos
nas fotos,
nas gavetas, nas casas que fomos nós, em
nós mesmos. Dentro de nós, perdidos, estão, em algum tempo,
as vidas que, um dia, fomos nós;
muito mais mortos
do que o velho Carango e seu Burro.
Ah, como éramos vivos
quando a vida nos era mistério... E agora,
mortos,
sentimos o qual é vazia a
sabedoriados que cresceram.



Do livro Baladas e outros aportes de viagem de Silvério Duque.Ilutração de Gabriel Ferreira. Acrílico e carvão sobre papelão paraná. (80x99) cm. 2006

A ETERNA IMANÊNCIA



a Idimar Boaventura,
depois de uma conversa sobre assuntos urbanos.

ao amigo e inigualável artista plástico Gabriel Ferreira
que, como Eu, traz grandes lembranças de um certo ‘João do Sonho’.

ao meu primo: Zé de ‘João do Sonho’.




– Cada um de nós tem seu bocado de saudade
preso a uma cidadezinha,
pequena e simples como uma flor,
como nosso primeiro desejo,...
sim, uma cidade toda feita de saudades,
uma cidade onde a madrugada brinca nos olhos da vida
que mais cedo recomeça
e Eu posso dizer-te que a minha
pequena cidade é esta sólida imagem que há muito
abandonou-me os sonhos
e se refugiou em algum canto escuro de minha memória,
escondendo-se e renascendo em mim
para que sejam minhas estas lembranças,
ou estes pedaços de lembranças,
espatifados sobre este homem duro que me tornei;
é esta a minha cidade toda imaginação,
esta cidade que foi real aos meus olhos,
e à minha infância:
nela, a vida vinha aos bocados
no lombo surrado dos jumentos dos aguadeiros,
um pouco na pracinha – iluminada – da igreja velha,
onde, contrariando minha fé e arrastado pelos meus desejos,
conheci meu primeiro amor e meu primeiro pecado,
e as noites traziam um pouco mais da Eternidade
quando mais alguém se juntava à roda das piculas
e o meu avô espalhava lembranças
pela aguda fumaça do cigarro de palha
enquanto meu tio
( literalmente )
vendia sonhos.

Mas hoje estou sob as cinzas destes sonhos mortos
e antigos, entoando esta plácida canção nostálgica,
e sinto sobre os ossos
a permanência indesejável do homem urbano,
do homem frio, do homem falso, do homem em ruínas
esculpido sobre meu corpo,
sobre minha alma,
sobre o que fui...

e não sei se sou Eu que sonho estas possibilidades de sonho,
esta idéia de que um sonho possa ressuscitar,
que Eu também possa reviver nesta tentativa...
Não! Não sei se sou Eu que realmente ali vivi
( ou, talvez, realmente, exista em cada um de nós
uma cidadezinha espalhando sonhos,
semeando estas lembranças que são tão boas
e tão tristes ), não sei...
não sei se são mesmo minhas estas
estas saudades ...
estas lembranças
que se perderam em meus olhos estranhos,
em meus olhos de asfalto
e vidro
e concreto
e aço...
e sei que só sinto a vida
como um trabalho vão,
um esforço devolvido
qual Sísifo num refazer constante
e,
sobretudo,
inútil.

Hoje,
estou velho e já não há cidadezinha, não há lembranças,
nem Eu...
hoje,
espero apenas poder aceitar a Morte,
mesmo sem nunca ao menos ter aceitadoa vida.


Do livro Baladas e outros aportes de viagem de Silvério Duque.
Ilutração de Gabriel Ferreira. Acrílico e carvão sobre papelão paraná. (80x99) cm. 2006

VIAGEM...



Viação Santana, às 18:30h de toda quarta-feira
de Aracy para Feira de Santana.


para Milvia Cerqueira e Sérgio Magno,
que me embalam as lembranças com sua música.




) Longe de minha casa
ou de qualquer milagre,
sigo completo
entre a noite
e a janela do ônibus...
Sorvendo da noite
a vida que adormece;
olhos quietos; mas,
à beira dos meus olhos,
o acaso se derrama.
( O tempo completa um ciclo...
a vida se fecha em círculos. )
Eu, entretanto,
passo,...
pelas minhas mãos,
na curva dos caminhos sem retorno,
sorrindo para a Morte
e seus segredos. (


Candeias, domingo de Páscoa de 2005.
Do livro Baladas e outros aportes de viagem de Silvério Duque.
Ilutração de Gabriel Ferreira. Acrílico e carvão sobre papelão paraná. (80x99) cm. 2006